Muito além de um gênero literário
Saiba o que é a escrita autobiográfica e descubra como ela pode se transformar em uma narrativa de autoconhecimento, com uma trama envolvente e uma conexão profunda com o seu eu interior e a sua trajetória de vida.
Tradicionalmente a autobiografia é um gênero literário que se baseia, sobretudo, na história de vida do autor. No entanto, no meu entendimento, a escrita autobiográfica, que fundamenta esse tipo de narrativa, é muito, muito, mais do que isso. Ela não só é a ferramenta que utilizamos para tecermos as nossas histórias, como é o meio [o caminho] pelo qual nos conectamos mais intimamente com o nosso verdadeiro Eu e percorremos atenciosa e conscientemente a nossa jornada, aceitando a sua totalidade.
Nessa vista do ponto a escrita autobiográfica é um convite para o autoconhecimento e o desenvolvimento de uma nova consciência. E, ouso dizer, a vida fica mais vibrante e interessante quando estamos em contato com a gente mesmo.
O que é a escrita autobiográfica?
A definição mais clássica trata a escrita autobiográfica como um gênero literário em que o autor é, simultaneamente, o narrador e o protagonista, e que a sua narrativa, geralmente em prosa e sempre em primeira pessoa, oferece uma visão subjetiva da sua história, ou seja, das experiências, sentimentos e eventos que marcaram sua trajetória.
A autobiografia é, portanto, uma forma de refletir sobre a identidade, reconstituir memórias e estabelecer uma conexão entre o ‘eu’ que escreve e o ‘eu’ vivido.
Esse gênero não se limita a um relato cronológico e objetivo; pelo contrário, é permeado pelas percepções, interpretações e reconstruções do autor, o que torna cada autobiografia única e intimamente ligada ao contexto pessoal e cultural de quem a escreve. Além disso, ela pode se acomodar tanto no gênero realístico quanto na autoficção.
Quais são as vertentes da escrita de si?
Há duas vertentes, a convencional, que já é bem conhecida e praticada, e a que eu chamo de inovadora, pelo seu espírito criativo e jovial. [Jovens gostam de ‘coisas que são minhas’, minha escrita, minha identidade, minha história, minha vida.]
Vertente convencional - Forma documental ou ficcional [Objetiva]
Formalmente, a escrita autobiográfica é focada na construção de uma narrativa sobre a própria vida. Sua principal função é relatar e organizar (cronologicamente ou não) momentos pessoais e/ou o legado e as histórias dos antepassados (ancestralidade), envolvendo a reconstituição de memórias e experiências marcantes, sempre buscando dar sentido a essa trajetória de vida para quem sabe, se esse for do desejo do autor, compartilhar essas histórias com um público. Ademais, conta normalmente a autobiografia a história de alguém com relevância social ou histórica.
Nessa vertente a pegada da escrita autobiográfica é mais objetiva, trata-se da narração sobre a vida de um indivíduo, escrita pelo próprio, sob forma documental ou ficcional.
Vertente inovadora - Forma de reconexão existencial [Subjetiva]
A minha visão vai além, eu compreendo a escrita autobiográfica a partir de um lugar muito mais profundo, a começar pelo grande fato de que todo mundo [seja a pessoa ‘relevante para a sociedade’ ou não] tem uma história para contar. Depois, a escrita autobiográfica é uma escrita de si que tem como objeto e finalidade o próprio SER: “Eu sou”. Ela parte da análise de seus fatos e circunstâncias com o olhar totalmente voltado para dentro, pretendendo a autoinvestigação. A princípio, então, não há a intenção explicita de querer compartilhar um recorte dessa história com o público – o que nada impede que isso aconteça. [Pela minha experiência com as coletâneas, quando valorizamos nossas experiências, descobrimos uma enorme vontade de compartilhá-las.]
A escrita autobiográfica é uma escrita de si que tem como objeto e finalidade o próprio SER: “Eu sou”. Ela parte da análise de seus fatos e circunstâncias com o olhar totalmente voltado para dentro, pretendendo a autoinvestigação.
Já com essa olhar, a pegada da escrita autobiográfica é mais subjetiva, trata-se de uma narrativa mais indagativa, pertinente ao sujeito pensante e a seu íntimo.
Não há isso ou aquilo, melhor ou pior, há o seu momento e a sua intenção com essa escrita. O importante é que você conheça e compreenda que a escrita autobiográfica pode ir além do registro das memórias dos seus fatos e eventos. Ela pode ser também um processo de autoinvestigação e transformação pessoal, que envolve uma desconstrução e reconstrução intencional da resposta que você busca dar à grande pergunta “quem sou eu?”.
Escrever a partir de si é um movimento que organicamente integra o prefixo grego “auto” [que tem como significado as expressões “si mesmo”, “si próprio”] devido à sua projeção natural ao autoconhecimento, autodesenvolvimento, autocuidado, autorresponsabilidade... É desse despertar que conhecemos e aceitamos quem somos em nossa essência e desenvolvemos a coragem de expressar essa individualidade da maneira mais genuína possível.
Quando devo começar a escrever minha história?
Geralmente, a vontade de começar a escrever a sua autobiografia aflora dessas três principais razões:
Quando há o desejo de resgatar a sua ancestralidade ou de entender suas origens e razões para estar onde está.
Quando se sente a necessidade de colocar para fora algo que aprisiona por dentro.
Quando se percebe que grande parte da sua história já foi vivida e surge aquele sentimos que está na hora de deixar um legado.
Por uma razão ou outra, escrever a nossa autobiografia é como andarilhar por entre as memórias, revisitando eventos passados e recentes, para conectarmos os pontos que formam e dão um sentido mais pleno a nossa própria existência, pois é justamente esse caminhar em todas as direções que nos permite explorar as experiências que moldaram e ainda hoje moldam a nossa identidade única, incomparável e irrepetível.
Em outros termos, por meio dessa escrita autoinvestigativa, damos significado às nossas experiências, ressignificamos nossas circunstâncias e encontramos outras respostas para perguntas como: “Quem sou eu?” e “O que quero fazer a partir do que sou?”.
No mais, como bem apontou a escritora dinamarquesa Karen Blixen, “essa pergunta ‘Quem sou eu?’, na verdade, flui do movimento de cada coração”.
O que mais devo saber sobre a escrita autobiográfica?
Fato é que escrever sobre si é um grande processo complexo e emaranhado, visto que a escrita autobiográfica é:
Um meio – o veículo atemporal com o qual você circula livremente entre passado presente futuro
Um caminho – pelo qual você percorre entre o fim e o começo
Um tempo – no qual você dá a devida atenção a você mesmo [E dar atenção é cuidar!]
Um diálogo – com o qual você conversa consigo mesmo e com o mundo, a partir das suas verdades
Um mundo de possibilidades – quem sabe, de reconexão, de cura, de liberação, de libertação, de expressão...
Quando trazemos à luz esses conhecimentos, enxergamos a nós mesmos e ao mundo com mais clareza. A escrita autobiográfica é uma jornada de autodescoberta que nos transforma, fortalece e nos aproxima de nossa verdade essencial, o nosso eu maior.
Qual é a importância da escrita autobiográfica?
Bem, essa resposta só você pode dar. Eu apenas repito o que disse Rainer Maria Rilke, um famoso poeta austríaco, “os seus conhecimentos interiores merecem todo o seu amor”.
Adentrando esse processo, na cadência do oportuno, você dará à sua história sentido e significado – talvez esteja aí a sua importância. Indubitável é que, colocando as suas palavras para andar, você se tornará o protagonista de sua própria história. Enquanto escrevendo, encontramos não apenas quem somos, mas quem desejamos ser.
Pois bem, quando escrevemos sobre nós, aprendemos a nos olhar com os olhos de dentro, a escutar a nossa própria voz interior e intuição, despertamos então um novo nível de entendimento, que nos ajuda a organizar o conhecimento em consciência. E é justamente essa consciência [essa ciência que nos permite humano ser] que narra com mais coragem e verdade a nossa história, que revela quem realmente somos e o que viemos ser neste mundo.
Afinal de contas, a escrita autobiográfica é uma poderosa prática de autoexpressão criativa e consciente, ao nos presentear com a oportunidade de transformar e ressignificar o nosso existir aqui nessa gigantesca bolinha azul.
Por ora, fico por aqui e me despeço deixando o convite para que você mergulhe em si, atribuindo sentido e significado às suas experiências, escrevendo, transformando, construindo, criando, a partir do seu eu mais autêntico, a realidade que deseja viver.
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